CUBA, Turismo a todo vapor, mudanças nem tanto, “bienvenido” ao país de duas realidades !

Sempre tive muita curiosidade de conhecer Cuba, não só pelas questões revolucionárias como também por todo universo intrigante que envolve a política deste país.  Já em nossa partida das Ilhas Cayman, pairava no ar uma grande ansiedade de como seríamos recebidos na chegada a Havana. Quando aterrissamos no aeroporto da capital cubana, fiquei tenso e preocupado devido às histórias relatadas nos últimos anos de jornalistas presos. Como estava carregado de câmeras de foto e de vídeo que utilizo no registro da nossa travessia, percebi que a situação iria complicar. Meu pressentimento estava certo e logo na chegada, quando minhas bolsas passaram pelo raio-x, o policial cubano já entortou a boca e a situação ficou crítica. Imediatamente chamaram a supervisora do aeroporto e me tiraram da fila, iniciando um longo interrogatório. Em voz alta e ríspida as perguntas enfocavam todos os assuntos desde o que eu estaria fazendo ali com todo aquele equipamento profissional, qual era a minha profissão no Brasil e muitos outros questionamentos. Foram longos 20 minutos, mas como meu espanhol estava afiado consegui sem esboçar medo mostrar que fui para Cuba com o intuito de conhecer e registrar o país como turista.  Jornalistas normalmente não são bem vistos pelas autoridades e isto gera uma grande tensão para quem viaja com câmeras profissionais.  Aos poucos, fui convencendo a supervisora que a minha intenção era muito boa e que os brasileiros têm muita empatia pelo povo cubano. A minha mulher Letícia se aproximou e isto também aliviou um pouco a tensão, pois assim éramos apenas mais um casal querendo conhecer aquele país.

       

      

Depois do grande susto, alugamos um carro e deixamos o aeroporto, seguindo para o centro da cidade. Observar o vai e vem dos carros antigos, desde Chevrolet da década de 50 e veículos russos e poloneses, mesclados com os veículos modernos dos diplomatas é admirável. A capital é uma mistura de edifícios restaurados e outros em péssimo estado. A belíssima arquitetura espanhola está presente nos edifícios públicos em todos os pontos da cidade. A impressão que temos é que o país parou nos anos 70, prédios e casas continuam os mesmos, carros das décadas passadas permanecem nas ruas fazendo parte da paisagem como um filme antigo.

     

     

Na verdade, o que se vê em Cuba atualmente são dois mundos paralelos, o dos turistas e dos cubanos. São duas moedas circulando pelo país, só como exemplo constatamos que o salário de um médico ou de um dentista cubano gira em torno dos 25 dólares ao mês, isto mesmo, 25 dólares ao mês, ou seja, cerca de 600 pesos cubanos na moeda local. É claro que nesta forma de governo adotada, nenhum cubano paga por estudo ou por qualquer tipo de assistência médica, considerada de ótima qualidade, os dois serviços são gratuitos.  Em todos os meus passeios por Cuba tive certa obsessão, dentro do possível, de conversar com os cubanos, de várias idades e profissões, saber o que eles pensam sobre a situação atual do país e assim tentar entender um pouco a realidade deste povo. As opiniões são variadas, mas posso afirmar que a maioria dos cubanos, principalmente os mais jovens, não aprova mais o sistema. Senhor Juan, guia autônomo em Havana, nos conta que 70 % das casas dos cubanos estão em péssimo estado de conservação e muitas com risco de ruir. Em minha opinião, depois das minhas entrevistas, penso que o regime funcionou muito bem durante cerca de 25 anos, tempo em que as pessoas viviam as mesmas realidades de outros países, mas agora o sistema está ultrapassado e caduco, deixando os cubanos cada vez mais distantes do mundo atual.  É incrível pensar nos dias de hoje que um homem ou mulher, entre 16 e 30 anos não tenha se quer um e-mail, não tenha acesso à internet. Além da falta de recursos para comprar um equipamento básico de informática ainda existe um bloqueio digital por parte do governo. De fato tentamos acessar nossos e-mails em locais diferentes e não conseguimos. Outra situação que chamou nossa atenção é a face dos trabalhadores cubanos, sua fisionomia é normalmente apática e triste com algumas poucas exceções.

         

     

     

Funcionários dos hotéis, garçons, dançarinos e outras profissões, trabalham para o governo, o salário é quase o mesmo e sem previsão de aumento. Por outro lado, encontramos taxistas que são proprietários dos seus veículos, ganhando seu próprio dinheiro, a alegria estampada no rosto, sorriso fácil, parece que alguns cubanos já sentem o sabor da liberdade e a autonomia de poder comprar artigos que o governo não fornece. Continuando nosso reconhecimento pela orla, percorremos mais alguns quilômetros e observamos dezenas de cubanos nas bordas do “Malecon”, uma espécie de calçadão bem no centro de Havana. Músicos ensaiam performances solitárias, namorados, crianças, famílias, o lugar é extremamente democrático e tranquilo.

     

      

     

       

                         

É claro que um passeio a bordo de um Chevrolet ano 53 é imperdível na região do Malecon, se for conversível será ainda melhor.  A passagem pelo Capitólio e as ruas ao redor vai te mostrar parte da Cuba dos cubanos, é só caminhar pelo centro para ver dezenas de veículos de todos anos e modelos, restaurados ou não, pequenos balcões onde só a moeda local consegue comprar os produtos. Há também os baratos “côcotaxis”, uma espécie de orelhão com rodas, é divertido percorrer o centro neste transporte irreverente. No dia seguinte a nossa chegada caminhamos por Havana Velha, o lugar é lotado de turistas. São grupos, casais, viajantes solitários, todos perambulando pelas vielas, conhecendo alguns ícones da capital cubana. Pelas ruas algumas mulheres nos abordavam pedindo Xampu, sabonetes, pasta de dente, uma triste realidade saber que os cubanos recebem uma cota de produtos higiênicos por mês e que não são suficientes para este período. Conversando com o Senhor Arnold, com seus 73 anos de idade, ouvimos muitas história e relatos de todo tempo vivido sobre os diferentes regimes políticos de Cuba. Arnold relata que um varredor de rua pode ter um salário maior que de um médico. Eu lhe perguntei como isto era possível e ele me respondeu que o varredor pode limpar mais ruas que o previsto no seu cronograma diário e ganhar mais, já o médico terá sempre o mesmo salário, não importando quantas cirurgias ou atendimento realize num mês, recebe pelas 12 horas trabalhadas diariamente.  Voltando ao passeio pelo centro velho, muitos edifícios estão sendo restaurados tornando praças ainda mais belas e interessantes.

      

     

     

Vale a subida na “câmera escura” uma torre com 35 metros de altura na Plaza Vieja e que proporciona uma visão ao vivo e a cores da vida em Havana. Um jogo de lentes e espelhos colocados no topo reflete boa parte da cidade com a explicação interessante de um funcionário mostrando os detalhes do centro. Depois é só descer e ver de perto os mais interessantes. A belíssima Catedral de Havana, dominante na Plaza de La Catedral, está o melhor do Barroco cubano. Foi lá onde encontramos o simpático Emenegildo com seu tradicional charuto, figura pitoresca no centro da praça. No final da tarde, cruzamos um túnel sob a água e seguimos para a Fortaleza de San Carlos de La Cabaña, a maior fortaleza construída pela Espanha nas Américas e que agora se tornou um dos melhores pontos de Havana para ver o sol se desmanchar no oceano.

        

     

Voltamos ao nosso hotel, na área hoteleira da cidade e no lobby alguns estrangeiros desfilam com belas garotas cubanas. São dentistas, advogadas e até mesmo médicas que passam a noite com os turistas em troca de alguns dólares e de refeições fartas. Triste realidade, mas todos os dias presenciamos cenas como estas. Um fato é unânime, os cubanos adoram os brasileiros e por onde passávamos éramos muito bem recebidos, é comum perguntas sobre as novelas brasileiras, tão famosas na ilha de Fidel. A cidade de Havana é mesmo cheia de surpresas, andar pelas ruas com câmeras a mão ainda é tranquilo, os turistas são quase intocáveis no país, pois a punição para quem assalta um visitante é bem severa. Os dias em Havana foram bem agradáveis, conhecemos os principais pontos da cidade, almoçamos em diversos restaurantes, sempre muito bem atendidos pelos cubanos. As frases revolucionárias estão por todo país e os ícones da revolução também.

           

     

     

Visitando o Museu da Revolução você vai entender um pouco mais da história cubana e ver todos os passos de Fidel Castro e Che Guevara a frente desta histórica luta.  Um fato que sempre me intrigou em Cuba foi a prisão de Guantánamo. Como era possível, com todo ódio dos cubanos, existir uma prisão de americanos naquele país ? A explicação me foi dada por um professor cubano e segundo consta o acordo foi feito em 1903 e mantido pelo ditador Fulgêncio Batista, que alugou parte da ponta sul da ilha por cerca de 4 mil dólares ao ano, quantia que é paga até hoje pelos americanos ao governo de Cuba. Fidel tentou por várias vezes romper este acordo mas não obteve sucesso. Colocando a política de lado, Cuba tem atraído atualmente milhares de turistas que vão em busca das praias paradisíacas como Varadero e também de todo esplendor da arquitetura espanhola das décadas passadas, especialmente os edifícios neoclássicos e também de influências internacionais de Art Nouveau, Deco e Eclético. Entre os meses de dezembro e março não é fácil encontrar vagas nos hotéis e para alugar um carro a reserva deve ser feita com bastante antecedência. Não importa qual seja o motivo da sua visita, você com certeza vai se impressionar com este país.  Como documentarista posso dizer que esta imersão em Cuba foi uma experiência fascinante e sem precedentes. Tentei passar um pouco desta experiência aos amigos que acompanham nossa travessia e posso afirmar que depois de conhecer de perto este país e a realidade dos cubanos você dará muito mais valor a sua liberdade não importa onde você esteja.

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Category : Diário de Bordo

6 Comentários → “CUBA, Turismo a todo vapor, mudanças nem tanto, “bienvenido” ao país de duas realidades !”


  1. AURELIO RAPOSO

    12 Anos ago

    Caros amigos ,interessante a sua descrição de Cuba ,não fosse voçê um profissional,sempre ouvi dizer que o povo cubano é muito acolhedor mas vivem com muita necessidade, mas enfim são as politicas mas o povo é que paga ,obrigado pelo conteudo e boas viagens,um grande abraço.

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  2. Eduardo Issa

    12 Anos ago

    Olá Aurélio, é verdade mesmo, o povo cubano é muito simpático e acolhedor, especialmente com brasileiros, pois fomos muito bem recebidos por onde passamos. As necessidade do povo continuam evidentes, é só caminhar pelas ruas do centro e você vai constatar isto facilmente. Os americanos são hostilizados pelos cubanos mas isto tem uma certa justificativa, apesar de os jovens de hoje não terem nenhuma responsabilidade sobre o embargo feito por políticos americanos no passado.
    Grande abraço

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  3. Fernando

    11 Anos ago

    Gostei da descricao da sua passagem por Cuba. Sem conotacao ideologica , uma visao simples e objetiva da realidade da ilha. Como voce disse o sistema caducou e reformas serao inevitaveis. Gostei , obrigado e boa viagem.

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    • Eduardo Issa

      11 Anos ago

      Esta é uma boa virtude de um jornalista, ser imparcial quando descrever um lugar. Abraços

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  4. Paulo Lima

    11 Anos ago

    Eduardo, não sei se voce vai se lembrar de mim, trabalhei na Visconde Automoveis muitos anos, nos conhecemos de lá, incrivel sua viajem, ja havia visto anteriormente aquele seu veiculo bandeirantes, que pertenceu a um amigo meu de cunha, parabens, alem de fantastico fotografo, seu trabalho e de uma riqueza historica, vou acompanhar suas atualizações, cada imagem sua é uma descoberta , lindas fotos , mais uma vez parabens amigo!!! e boa viajem

    Paulinho…

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  5. Daniel Costa

    11 Anos ago

    Fala Eduardo!
    Belo relato, belas fotos! Parabéns pela matéria!
    Grande abraço
    Daniel

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